44° dia de Quarentena - As memórias

Tempos houve, alguns tão antigos que nem são nossos, que as memórias se assentavam em papel. Papel, caneta, cadernos, folhas soltas. O que fosse. As memórias ali, disponíveis. Sem precisar de bateria, aparelhos, electricidade e um sem fim de termos tecnológicos. Agora, deixamos o telemóvel perdido num banco qualquer e já nem sabemos o código para abrir o cacifo do ginasio. Cabeças ocas, é o que é.

Aos 44 dias voltou-me às mãos uma prenda antiga.

Tenho um fraquinho pelas memórias de vidas que não conheci. Por uma maneira de viver que nunca foi minha. Como era naquele tempo em que tudo era tão diferente? Como se vivia? É ser cusca, sim, mas vamos dizer curiosa que é mais bonito.

Foi assim que me ofereceram a prenda que  guardei num canto qualquer. Eu sei que parece má vontade da minha parte, mas não é. Naquela altura, foi a vida a correr como sempre sem deixar tempo para aproveitar seja o que for. Não andávamos todos assim? Às ordens de relógios e alarmes para tudo e mais alguma coisa.

São 44 dias em casa. Deram-me o tempo.

É sempre estranho ler a vida que outro escreveu. A sua, nada de ficção. Os seus dias, as suas economias, quando viu o sol e as outras vezes em que a chuva lhe deu conta do sustento. Uma vida inteira ali naquelas página. Bem, só um ano, neste caso, mas há tanta vida em doze meses.

Aos 44 dias tenho a Gazeta das Aldeias ao meu lado. O ano é 1943. Era terça-feira e em Reguengos de Monsaraz foi dia de trovoada.


Comments

  1. Muito fixe. É uma prenda valiosa. Beijinhos

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  2. Estes tempos são uma lição para muita gente.....o mundo parou....tivemos tempo para pensar e olhar para aquilo que muitas vezes não dávamos importância...

    Isabel Sá  
    Brilhos da Moda

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    1. Sim, é uma boa altura para mudar a maneira de ver o mundo e aprender a abrandar

      Beijinhos

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  3. Eu continuo a ser do tempo em que tudo se regista... talvez duas ou três vezes por mês registo numas folhas a evolução do meu pequeno e as novidades cá de casa!

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    1. É tão bom isso. Essas memórias são muito importantes 😊

      Beijinhos

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  4. Meu pai registava seus "assuntos" numa agenda dessas!!!
    Bj

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    1. Tão bom esses registos, encontram-se coisas maravilhosas 😊

      Beijinhos

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  5. Curiosamente, acho que nunca consegui que uma agenda sobrevivesse a fevereiro. E no entanto sou aquele arquivo caótico de memórias que mais ou menos conheces, mal arrumadas mas vão vivendo. Há tanto a preservar! E tu bem tens feito por isso 👏👏🥂🥂

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