Meia noite

Fizemos tudo como era suposto. Uns mais do que outros, mas tudo junto ainda sobra. Esperámos pela meia noite para subir à cadeira com doze passas numa mão e uma nota na outra. Brindou-se ao que estava para vir. Ao que se desejava.

E daqui vem parte do problema. De certeza que alguém desejou ter tempo. Uma mudança na vida. Pôr o sono em dia. Terminar aqueles mil e um projectos que adiava por causa do correria do dia a dia. Descansar. Estar com a família. O problema dos desejos é que não podemos simplesmente dizer o que queremos sem preocupações. Temos de ser específicos. Saber que cada palavra conta e segundos significados aqui nunca dão bom resultado. Mas nós achamos sempre que é melhor despachar a coisa e assim foi.

Falta um minuto para a meia noite. Tudo a contar passas. "Anda lá que está quase". E puxam uma cadeira. A garrafa de champanhe pronta "Tu vê lá se isso não dispara antes do tempo". E ouve-se a contagem decrescente.

10. 9. 8. 7. 6. 5. "Toma lá as passas". 4. 3. "Despacha-te!". 2. 1.

"Feliz ano novo"

E assim, sem sabermos bem o que nos esperava, entrámos no ano mais desafiante das nossas vidas. Que em certa parte cumpriu os nossos desejos. Temos tempo. Só não conseguimos antever as preocupações e a ansiedade. Nem a separação forçada.

Três meses depois do início do ano estávamos em casa. Numa nova realidade. Agora, a um mês do fim do ano, cá continuamos. Entretanto, passou um ano que ninguém poderia imaginar.

Foi diferente. Distante. Parece que a vida parou. Mas será que foi mesmo assim?

Este ano não foi aquilo que esperávamos. O trabalho deixou de ser onde foi. O trânsito desapareceu das nossas manhãs. A correria diária acalmou. Fizemos pão. Muito pão. Fosse rápido ou daquele que leva dias. Cozinhou-se muito. Assistimos ao desaparecer do papel higiénico e sobrevivemos à ameaça de prateleiras vazias. Cantámos às janelas. Discutimos nas redes sociais. Achámos que não aguentavamos mais. E ainda aqui estamos.

O ano não foi nada daquilo que esperávamos, mas fizemos mais do que damos valor. Mudámos de vida sem o decidir e ainda aqui continuamos. Não foi um ano perdido.



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